Close

Cuidar de quem cuida.

Cuidar de quem cuida.

Cuidar de quem cuida.

Por Rivane Montenegro

A realidade no dia a dia dos profissionais de saúde contempla a relação de pressão e sofrimento diante dos diversos diagnósticos e suas (im)  possibilidades de tratamento. Neste momento de pandemia a pressão se torna ainda mais intensa, causando estresse inevitável aos que estão na ‘linha de frente’ dos casos suspeitos, dos diagnosticados e daqueles que lutam pela vida em leitos de UTI ou tragicamente em situações improvisadas nas ambulâncias. Diante deste contexto reporto-me à importância da participação dos profissionais da saúde mental, que além do cuidado terapêutico aos pacientes, lida diariamente com o sofrimento dos colegas de equipe nos atendimentos aos casos de pacientes acometidos pelo Covid-19, em sua maioria apresentando elevação no nível de cansaço físico e mental resultantes de esforços que estão além de sua condição técnica, driblando as dificuldades de suporte material e colapso na falta de leitos para prestar o cuidado. Conviver com sofrimento gera mais sofrimento, o qual deve receber um olhar e escuta cuidadosa objetivando a minimização deste processo de angústia.

Estamos diante de pacientes e familiares que em situação de desespero ‘rogam’ por um atendimento diante do agravamento das condições clínicas apresentadas, e a outra parte desta relação se debruça em esforços e improvisa condições para atender frente ao caos. Num cenário onde a vulnerabilidade está presente nestes personagens de perfil mundial, dividimos sentimentos dos mais variados, mas que carregam muito em comum, afinal estamos diante de um ‘inimigo invisível’, gerador de desespero ao paciente, e ainda de desconhecimento científico comprovado pelos profissionais, passíveis da dor frente à possível impotência no restabelecimento de seus pacientes. Vale ressaltar que os processos de trabalho das equipes de saúde, vem mais do que nunca sendo estabelecidos na luta contra o tempo em decorrência dos quadros de gravidade que cada paciente pode apresentar, este fator implica na dificuldade para o cuidado deste trabalhador, que em prol do juramento feito antes de tudo a si mesmo na escolha profissional, e na ética pelo exercício de suas funções, tornando inviável ‘um tempo’ a favor do seu cuidado.

O que leva uma pessoa na escolha da profissão do cuidado ao outro? Poderíamos elencar as mais diversas opções, porém o que proponho como análise é a base anterior à sua escolha profissional, trata-se aqui do indivíduo e suas transversalidades[1] e as relações que estabelece com o mundo que em sua ‘bagagem’ carrega ansiedade, conflito, perda, e desejo, assim como seu paciente, e constantemente tem enfrentamentos entre o que é seu e o que é do outro, sendo necessário que os sentimentos e sensações possam ser assistidos em terapêutica adequada.

A designação amplamente divulgada no mundo ao fazer referência aos profissionais da saúde como heróis, que para os gregos antigos tinha uma dimensão semidivina, e que de fato de se exporem em risco no contágio para salvar vidas é sem dúvida um ato de extrema doação, porém em contrapartida este mesmo mundo não espera, não permite que estes ‘heróis’ sejam acometidos pela fragilidade passível de qualquer ser humano diante dos sofrimentos vivenciados em seu cotidiano. Cabe a nós o respeito, admiração e principalmente a compreensão de que por traz de cada EPI existe uma vida que também precisa ser cuidada. Tomemos como exemplo o número crescente de afastamentos entre eles que aciona um sinal de alerta máximo, já que são partes fundamentais desde o acolhimento numa unidade básica até a atenção criteriosa em uma internação na UTI, faço este recorte para vislumbrarmos um maior suporte nos processos de trabalho das instituições de saúde para que possibilite um ‘olhar’ atento na atenção a condição psíquica de quem cuida, e que estes ‘heróis’ precisam estar bem para ‘salvar’ outros ‘heróis’.


[1] Os filósofos Guattari e Deleuze (1960) em seus estudos de esquizoanálise, abordam a transversalidade como um conceito que aponta para o reconhecimento da produção da multiplicidade, para a atenção à diferença  e diferenciação e,, portanto, para a idéia de conexão entre pontos diversos que compõe o sujeito.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *