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A convivência com o medo da pandemia e o horror da discriminação.

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A convivência com o medo da pandemia e o horror da discriminação.

Por: Rivane Montenegro

Ainda sob o medo causado pelo contágio através do Covid-19, inclusive sob condições de isolamento social, fomos mais uma vez vítima da discriminação racial, sim todos estamos neste cenário como vítimas, afinal somos pessoas que independente da cor, religião, escolha sexual, constituímos a sociedade.

A história secular do preconceito sofrido pela população negra inegavelmente está enraizada na cultura mundial, o que difere é como as pessoas que compõe as sociedades reescrevem a história em parceria com o outro, que pode ser branco, amarelo, preto, homem, mulher, homossexual, católico, muçulmano, pois, o que vigora nestas relações é o respeito ao outro.

A ideologia do ‘branqueamento’, de Gilberto Freyre, como sendo o resultado da miscigenação entre negros e brancos desde o período colonial, o que trouxe aumento no número de mestiços. Essa miscigenação foi denominada como o embrião da ‘democracia racial’. Este cruzamento racial não foi um processo natural, ele foi determinado pela violência e exploração do branco português contra o africano em condições de cativeiro.1

Este breve histórico apresenta o cenário cultural o qual foi instalada à condição separatista que até o momento persiste através da discriminação, dificuldades de acesso, e sobreposição dos ‘brancos’ sobre os negros, sem levar em consideração todas as mudanças na dinâmica estrutural por parte das pessoas que se misturam propondo e delineando uma sociedade composta de indivíduos e suas respectivas peculiaridades.

O covid 19 causou e ainda causa risco iminente de contágio e morte, pairando o medo e ansiedade nas pessoas, propiciando nelas durante o isolamento social uma diversidade de sentimentos. A doença e seus efeitos no orgânico e psíquico. Denise Gimenez Ramos em seu livro A psique do corpo (1994) apresenta a perspectiva simbólica ilustrada através do seu trabalho clínico:

“A raiva reprimida torna-se uma revolta ouvida, mas não comunicada. Onde se faz presente, ela atua, gerando um comportamento descontrolado e destrutivo…”

Essa leitura provocou um paralelo reflexivo em torno de todos os movimentos pelo homicídio de George Floyd, que é símbolo da representação de toda população mundial como um ‘basta à discriminação’. As manifestações que estão dividindo os noticiários, paralelo aos dados da pandemia se mostram antagônicos que em decorrência do risco de contágio pela aglomeração e proximidade das pessoas o sentimento de revolta frente ao ato de provocar a morte de um indivíduo é presença viva em nossa história.

O grito reprimido explode através do sofrimento de suas gerações que perpassam desde a dor física sofrida nos pelourinhos, a dor psíquica causada pelo descaso.  O enfrentamento ao risco da possibilidade de contágio é ultrapassado diante do sofrer que acompanha a população negra e do apoio que qualquer indivíduo independente de seu ‘tom’ de pele possa conduzir esta mobilização.

Estamos num ‘movimento por vidas’ onde no mesmo cenário o encontro entre o medo da morte e o desejo por respeito à vida se faz presente.  Levando-se em consideração que a ansiedade provocada pelo contágio e os cuidados que muitos não têm acesso é da ordem do direito a vida, logo este misto de situações vai adquirindo a mesma forma por vigorar a dignidade humana.

Mesmo que a ciência venha demonstrar que “raça” é uma construção social e ideológica quando se trata da espécie humana, não é tarefa fácil a desmistificação no social.  Os intelectuais negros norte-americanos dizem em tom irônico que as pesquisas apresentam falsidade ideológica sobre o conceito de raça, porém, não torna possível que um negro consiga tomar um táxi no meio da noite […]. Esta fala se apresenta fortemente no Brasil, quando ouvimos relatos de indivíduos negros que “os motoristas fazem de conta que não estão vendo nossos acenos”…

Os ‘mal’ ditos populares, estes são da ordem do mal, são vistos comumente na nossa sociedade: ‘preto quando não apronta na entrada, apronta na saída’; ‘só podia ser coisa de preto’. Não estamos tratando de mensagens subliminares, são palavras agressivas de ordem direta, e que ao longo da cultura vai se tornando ‘naturalizado’ se contrapondo ao discurso hipócrita em não ser ‘racista’.

O processo de escravidão deixou seu registro de maneira dilaceradora na cultura, a necessidade e possibilidade da manutenção em sentir-se como de ‘raça’ superior, até hoje impõe situações de tristeza, vergonha e revolta. É neste contexto situacional que devemos nos manter conectados aos movimentos, refletirmos sobre o nosso papel social no protagonismo de uma história única, aonde todos são a parte do todo. Os momentos de mobilização são essenciais para que não se perca a força conjunta, e para que num breve futuro não tenhamos como mais um capítulo dos noticiários, e outras vítimas.


1 Carone, Iray (2017-03-09T22:58:59). Psicologia social do racismo . Editora Vozes. Edição do Kindle.

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