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Abuso sexual na infância e adolescência. Sedução, segredo, ameaça e culpa.

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Abuso sexual na infância e adolescência. Sedução, segredo, ameaça e culpa.

Por: Rivane Montenegro

A criança que sofre abuso sexual sofre o impacto da troca pelo conhecer inocente de sua sexualidade infantil pela sexualidade do adulto. É uma fase que apresentamos amor a criança, e de como este sentimento será estabelecido por ela. Neste contexto a dor ocupa o espaço do cuidado.
Curiosidade sobre seu corpo e as fantasias que vão sendo elaboradas estão em contínua ebulição, há sinais de desejo por algo desconhecido, mas que lhe proporciona satisfação, neste painel é revelada sua capacidade criativa, mas que se mistura a potente condição de manejo do adulto.
Freud e sua abordagem do Complexo de Édipo, mostra a relação triangular entre mãe-filho-pai. É o desejo que o filho sente por um dos pais, de sexo oposto ao seu, em paralelo o anseio pela “morte” do seu rival. Esta fase é denominada como fálica e logo a seguir tem início a fase de latência, que tem como característica a sublimação das pulsões sexuais nas atividades de cognição.
Apresentei este breve resumo com objetivo de facilitar o entendimento do que permeia a sexualidade de uma criança e em como lida com tais movimentos seguindo o curso das fases seguintes. Ao tocar-se a criança se depara com o prazer diferenciado do que até o momento é vivido através do inconsciente, e o adulto de forma invasiva o reprime que será associado a culpar pelo estímulo do prazer. O que vem carregado de culpabilidade pelo adulto não é o mesmo pela lógica da criança.
“As seduções incestuosas produzem-se habitualmente desta maneira: um adulto e uma criança se amam; a criança tem fantasmas lúdicos, como o de desempenhar um papel maternal em relação ao adulto. Esse jogo pode ganhar um contorno erótico, mas, não obstante, permanece sempre no nível da ternura. O mesmo não acontece com os adultos que têm predisposições psicopatológicas. Confundem a brincadeira de criança com os desejos de uma pessoa já sexualmente madura e deixam-se envolver em atos sexuais sem pensar nas consequências” (Ferenczi, 1933, p.130) .
O autor descreve o comportamento e os sentimentos da criança depois do abuso sexual:
Seu primeiro movimento seria a recusa, o ódio, o nojo, uma resistência violenta: “não, não, não quero, é forte demais, dói, me deixe”. Isso ou algo parecido seria a reação imediata se não fosse inibida por um medo intenso. As crianças sentem-se física e moralmente indefesas, sua personalidade é ainda muito fraca para que protestem, mesmo em pensamento; a força e a autoridade esmagadora dos adultos as emudecem, e podem até fazê-las perder a consciência. Mas esse medo, quando atinge o ápice, obriga-as a se submeterem automaticamente à vontade do agressor, a adivinhar seu menor desejo, a obedecer esquecendo-se completamente e a identificar-se totalmente com o agressor. (Ferenczi, 1936, p.130)
Ferenczi enfatiza que a mudança da conduta da criança, ocorre pela identificação ansiosa com o adulto, acontece a introjeção do sentimento de culpa do adulto. Quando e se a criança se recupera desta agressão, ela se vê numa enorme teia conflituosa, ao mesmo tempo que é inocente é culpada pelo seu “comportamento”, e a sua confiança fica severamente abalada.
Um artigo publicado em 1983 no Jornal Child Abuse and Neglect, Summir descreveu a síndrome de adaptação da criança vítima de abuso sexual. O momento da descoberta é um trauma para a criança, já para o adulto é o oposto a sua expectativa, contrário a natureza, e por isso duvidam do discurso da criança e a acusam de mentirosa. Para ele a criança aparece duplamente com vítima: dos abusos sexuais e da incredulidade dos adultos.
Através da vulnerabilidade da criança discorrem diretamente duas reações: o segredo e o sentimento de impotência. Ambos a deixará ainda mais fragilidade diante do horror vivido.
Percepção e atenção nas relações estabelecidas com a criança é essencial no entendimento de possíveis situações abusivas. O comportamento emotivo, além do estabelecimento de confiança na conquista relacionadas a sua etapa de desenvolvimento são peças para análise de sua relação com o externo.
Se de um lado temos uma criança vítima de abuso sexual do outro temos um indivíduo comprometido em sua psicopatologia ou com desvio de conduta. O adoecimento se torna parte estrutural desta relação abusiva.
No exercício da psicologia, nos deparamos com o agressor e a necessária intervenção sobre a violência praticada, sabemos o quanto de sofrimento foi causado pelo seu ato, mas a oferta desta escuta se faz presente, inclusive no sentido diagnóstico deste indivíduo e a possível interrupção de futuros abusos. Entre os diversos casos acompanhados e discutidos, fora encontrado no agressor, uma criança que também sofreu abuso, e a repetição deste ato perpetuou a patologia.